Quando criança fui extremamente questionador. Frequentava à missa e, ouvindo o padre dizer “em nome do pai, do filho e do espírito santo”, eu pensava: “Se Deus que é uma trindade unificada, é pai e filho, por que também não é mãe? Por que não dizer em nome de deus pai, deus filho e deus mãe? Porque na trindade cristã as três partes são masculinas”?
Certa vez assisti uma palestra de Paulo Freire, na qual, o educador brasileiro chamou nossa gramática de “gramática macha”. Segundo ele, mesmo tendo numa plateia mais de mil mulheres e apenas um homem, o palestrante teria que utilizar a expressão “eles” e nunca “elas”, bom dia para “todos” e não bom dia para “todas”.
Paulo Freire, e posteriormente outros pensadores como Jidu Krishnamurti, Rudolf Steiner e Helena Blavatsky, me ajudaram a perceber que a problemática do espírito santo se chamava machismo. Esse machismo, tão arraigado quanto cruel, pode ser visto no contexto histórico da igreja católica, onde mulheres não podem oficiar missas. Também pode ser percebido na maçonaria, onde homens são veneráveis, irmãos e mulheres apenas cunhadas. Várias igrejas protestantes também não permitem que mulheres sejam pastoras.
O pesquisador romeno Mircea Elíade, em sua vasta obra especializada em mítica, mística e história das religiões, assim como o escritor Jorge Adoum, apontam para o fato de que a trindade divina, seja no ocidente ou no oriente, na maioria das vezes, contém um aspecto feminino, ou seja, uma das três “personas” ´fêmea ou representante da feminilidade.
A trindade, em todas as genuínas religiões, é como um trevo, o ser é único, porém trifásico. Mas uma das folhas do triângulo representa – para utilizar o conceito chinês – o aspecto “in”, feminino, mulher, natureza.
Hoje, em detrimento dos sexismos e degenerações históricas das escrituras, consigo, com certa clareza, perceber a realidade manifesta de Deus Mãe. Tive o privilégio, inclusive, de resgatar a oração cristã da “Mãe Nossa” (Mãe nossa que estás na terra etc). Descobri, então, que o famigerado espírito santo era menina e não menino.
Importante deixar claro que a trindade é algo prático, tangível e não um conceito apenas metafísico. O aspecto Deus Pai, da trindade cristã, representa o “amor” presente em todos os seres. A versão Deus Filho, representa a “vontade” que faz com que todos avancemos na evolução. Já o princípio Deus Mãe (ou Espírito Santo) representa a “sabedoria”, também conhecida como “inteligência”, que nos faz ter clara visão espiritual.
Assim, amor, vontade e sabedoria, como conceitos magnos, são a presença de Deus em todos os seres. Dependendo do nível evolutivo desenvolveremos mais ou menos esses princípios universais. Algumas pessoas têm mais forte o amor, são filantropas, algumas a vontade, são mais científicas, outras a sabedoria, são mais filosóficas!
Na obra “Temperamentos Humanos” de Geofrey Hodson, assim como em “Tipos Psicológicos”, de Carl Gustav Jung, as tendências humanas são mostradas a partir dos três princípios acima.
Existe em nós, além desses dois aspectos divinos, outros três mais “profanos”, também chamados de “personalidade” pelos gregos, levando em consideração que a palavra “persona” significa, literalmente, “máscara”.
A “paixão” humana está para o amor. O “desejo” humano está para a vontade. O “conhecimento” humano está para a sabedoria. Todos nós, enquanto humanos, temos amor e paixão, vontade e desejo, sabedoria e conhecimento. A evolução da alma, assim, consiste em transmutar paixão em amor, desejo em vontade e conhecimento m sabedoria.
O desenvolvimento de uma coisa sem outra bem questionável. Por exemplo, desenvolver espiritualização (amor, pai) sem ecologização (sabedoria, mãe) e sem ciência (vontade, filho).
Diz a canção “Super Homem”, de Gilberto Gil: “Que nada. Minha porção mulher, que até então se resguardara. É a porção melhor que trago em mim agora. É que me faz viver. Quem dera. Pudesse todo homem compreender, oh, mãe, quem dera. Ser o verão o apogeu da primavera. E só por ela ser. Quem sabe. O Superhomem venha nos restituir a glória. Mudando como um deus o curso da história. Por causa da mulher.”
Vemos nessa letra monumental a “mãe divina”, dos orientais, ser resgatada com magnitude. O espírito santo é nela redescoberto e ressignificado como a presença feminina no homem. É a sabedoria que vem incendiar o simples conhecimento. É o planeta terra percebido como terra mãe ou, parafraseando James Lovelock, “mãe Gaya”.
A transformação da mãe divina em espírito santo trouxe grandes prejuízos à humanidade. Confundiu durante séculos inúmeros pensadores. Trazer a mulher de volta na natureza, na sociedade e na espiritualidade é condição sinequanon para que possamos construir a sociedade humanitarista e equilibrada que todos necessitamos.
Louvado seja Deus Mãe!
ESPÍRITO SANTO
O tal espírito santo nunca compreendi
existiam só pai e filho na santa trindade
ficando, assim, a mãe, fora da verdade
por causa disso a natureza eu esqueci.
Apagaram a mulher de ti, ó meu Deus
te fizeram tão hediondo, tão machista
nossa mãe divina se perdeu de vista
confundindo, então, os princípios teus.
Deus, que és trino em natureza integral
quero tua verdade suprema e original
resgate em amor, vontade e sabedoria.
Busco teu sentido dentro de meu ser
quero teu aspecto feminino conhecer
forma de Gaya, Pacha Mama e Maria.
*Alexandre Pimentel é escritor, naturopata e palestrante. Site: www.alexandrepimentel.com.br
